Nossa legislação pátria estabeleceu uma série de regras para definir como se perfaz a relação de emprego, omitindo-se em relação à prestação de serviço autônomo. Coube, então, aos aplicadores do direito fazer tal distinção.
TRABALHO AUTÔNOMO E VÍNCULO EMPREGATÍCIO
Por Soraya dos Santos Pereira
Assessora Jurídica do SICEPOT-PR
Nossa legislação pátria estabeleceu uma série de regras para definir como se perfaz a relação de emprego, omitindo-se em relação à prestação de serviço autônomo. Coube, então, aos aplicadores do direito fazer tal distinção.
Traçamos abaixo algumas considerações relevantes sobre a matéria.
1. Autônomo: "é o trabalhador que desenvolve sua atividade com organização própria, iniciativa e discricionariedade, além da escolha do lugar, do modo, do tempo e da forma de execução".
2. Empregado: é o trabalhador que desenvolve pessoalmente (princípio da pessoalidade) uma determinada atividade para um mesmo contratante/empregador, a qual é realizada com habitualidade (princípio da não eventualidade) em obediência às determinações e orientações do contratante/empregador sujeito à sua supervisão/fiscalização (princípio da subordinação) mediante determinado pagamento (princípio da onerosidade).
A respeito da matéria, mister transcrever os artigos que seguem:
Da CLT
Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador sob a dependência deste mediante salário.
Art. 4º Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
Da Lei 8.212/91 (Lei da Previdência)
Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I - como empregado:
a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;
Na subordinação jurídica inerente ao contrato de trabalho o empregado se curva aos critérios diretivos do empregador, às suas determinações quanto ao tempo, modo e lugar da prestação de serviço, às suas determinações quanto aos métodos ou técnicas de execução do trabalho, conforme os usos próprios da empresa. Portanto, diferentemente de um trabalhador autônomo, o empregado não trabalha quando quer ou o tempo que quer, também não executa o serviço como lhe convém: toda a sua atividade profissional está condicionada às determinações daquele que o remunera.
Importante frisar que, para uma relação entre contratante e contratado ser caracterizada como relação de emprego é necessário que TODOS os requisitos legais sejam preenchidos, quais sejam: a pessoalidade, a subordinação jurídica, a onerosidade e a habitualidade.
Se na relação havida entre as partes restar preenchida apenas dois ou três dos requisitos acima, então não se trata de uma relação empregatícia, mas sim de uma relação meramente contratual.
Para melhor compreensão da matéria tome-se, por exemplo, a atividade desenvolvida pelo representante comercial. Trata-se de um autônomo que se sujeita a uma subordinação em estrito senso que deriva de meras instruções do representado visando o controle da relação comercial, como tal, havida entre as partes (respeito a eventual área de vendas estipulada bem assim da exclusividade ou a reserva de alguns clientes ou produtos e até mesmo a exigência de relatórios circunstanciados de atividades sobre o andamento dos negócios visando a sua expansão) Neste caso em concreto, porém, embora haja uma subordinação formal, não existe a subordinação legal como nas demais relações de emprego (sujeição hierárquica) além de haver liberdade de horário e cronograma de serviço. Por fim, no caso do representante ele não recebe salário, mas sim, comissão a qual depende exclusivamente da competência e dedicação com a qual desenvolve sua atividade (assim está livre da fiscalização hierárquica de seus serviços).
Note-se que o representante é pessoa física (atende ao requisito da pessoalidade); poderá, eventualmente, receber um pagamento em valor fixo, a título de ajuda de custo acrescido das comissões de venda (atendendo ao requisito da onerosidade); poderá desenvolver o seu trabalho diariamente (atendendo ao requisito da não-eventualidade ou habitualidade). Neste caso específico, portanto três requisitos da relação de emprego foram atendidos deixando de preencher-se o requisito da subordinação jurídica o que impede que tal relação seja reconhecida como a de um vínculo empregatício.
Importante frisar que a subordinação havida na relação de emprego permite ao empregador o exercício de amplo poder de comando que se traduz no poder diretivo e no poder disciplinar a ele atribuíveis. Assim, ele pode exigir do empregado a realização do seu trabalho conforme as diretrizes exclusivas traçadas, genericamente, ou determinada por uma dada chefia, tais como a prestação de contas metódicas do trabalho prestado. Trabalho subordinado, na expressão do Prof. Amauri Mascaro Nascimento, "é aquele no qual o trabalhador volitivamente transfere a terceiro o poder de direção sobre o seu trabalho, sujeitando-se como conseqüência ao poder de organização, ao poder de controle e ao poder disciplinar deste." (in, Curso de Direito do Trabalho, 8ª ed., Ed. Saraiva, pág. 312).
A onerosidade se revela pelo conjunto de parcelas econômicas resultantes da prestação de serviços ou do contrato.
A pessoalidade se traduz pelo serviço realizado por uma pessoa só, sem a liberdade de transferir as suas tarefas para outrem.
Importante salientar que ao direito do trabalho, pouco importa se as partes formalizaram o acordo laboral mediante anotação na CTPS do contratado. Este fato é irrelevante quando se discute a relação jurídica propriamente dita, lembrando-se aqui que a ausência de anotação da CTPS do empregado não elide nenhum de seus direitos quando reconhecido o vínculo empregatício, inclusive o de anotação forçosa da carteira profissional.
Ao contrário do que se cogita no ramo do direito das obrigações no qual se presta grande importância ao disposto no contrato celebrado entre as partes (pacta sunt servanda), no direito do trabalho o que vigora, de fato, é o princípio da primazia da realidade dos fatos sobre a verdade do pacto.
Por isso mesmo é que as partes devem estar muito alertas para os aspectos que rodeiam uma relação de prestação de serviços evitando que nela se encontrem todos os requisitos relativos à relação de emprego, pois, “a verdade real se sobrepõe à verdade documental”.
Transcrevo, abaixo, algumas decisões de nossos Tribunais a respeito da matéria debatida em conjunto com outros subsídios acerca da relação de estágio/trabalho por entender que também seja pertinente.
1) O contrato de trabalho abrange os serviços não eventuais, prestados sob o comando do empregador, e pagos por este, mediante salário, sejam ou não essenciais à atividade da empresa. Não havendo prova da subordinação, é inviável o reconhecimento da relação de emprego, para fins de cobrança de contribuições previdenciárias. A circunstância de serem prestados serviços inerentes ao objeto social da empresa não supre o requisito subordinação. Honorários advocatícios majorados. (TRF4ª R. - AC 200671990030496 - RS - 1ª T. - Rel. Min. Vilson Darós - DJ 12.01.2007)
2) VÍNCULO EMPREGATÍCIO-FRAUDE CONFIGURADA. Autorizado o reconhecimento do liame empregatício quando patente operação fraudulenta existente para a transmudação de empregado em sócio de empresa sub-contratada. A fraude, eivada de nulidade segundo o artigo 9º, da CLT, é mais explícita quando se denota que a testemunha da defesa, através de prova emprestada, esclarece a adoção de prática vil-constituição de sociedades sem patrimônio ou sede social, com os trabalhadores como sócios, alterando-se a composição societária conforme a contratação de novas obras, arcando a empresa reclamada com as despesas das alterações sociais-procedimentos que indicam claramente a intenção de obstar os direitos do obreiro, para eximir o empregador do cumprimento das normas trabalhistas.
3) VÍNCULO DE EMPREGO ANTERIOR AO EFETIVO REGISTRO EM CTPS. A relação de emprego caracteriza-se pela prestação de serviços de forma pessoal, subordinada, não eventual e remunerada (art. 3º da CLT). Do depoimento pessoal do empregado, vislumbra-se ausente a subordinação jurídica, pois antes do efetivo registro sequer havia vinculação à jornada de trabalho, ou mesmo regular constância na prestação dos serviços. Não satisfeito requisito essencial para embasar e confirmar o pretendido reconhecimento do liame empregatício entre as partes litigantes. Recurso do Reclamante a que se nega provimento.(TRT9ª R. - Proc. 01355-2006-303-09-00-4 - Ac. 07457-2007 - 1ª T. - Rel. Juiz Ubirajara Carlos Mendes - DJ 23.03.2007)
4) TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO DIRETO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. A terceirização de serviços ligados à atividade-fim do tomador, mediante pessoalidade e subordinação, constitui prática vedada pelo ordenamento, por constituir mera intermediação ilícita de mão-de-obra. Nessa hipótese, o liame empregatício forma-se diretamente entre trabalhador e empresa tomadora de seus serviços, sem prejuízo da responsabilidade solidária da empresa prestadora, participante da fraude. A responsabilidade solidária decorre da co-participação das empresas tomadora e prestadora em fraude trabalhista, tendo por base legal o art. 9º da CLT. Aplicável ao caso o item I da Súmula nº 331 do C. TST, quanto ao reconhecimento do vínculo direto, e não o item III, que consagra a responsabilidade subsidiária do tomador na terceirização lícita de atividade-meio. Recurso Ordinário do segundo Reclamado a que se nega provimento, nesta parte.(TRT9ª R. - Proc. 06467-2004-006-09-00-4 - Ac. 05749-2007 - 1ª T. - Rel. Juiz Ubirajara Carlos Mendes - DJ 06.03.2007)
5) CONTRATO DE EMPREITADA. AUSÊNCIA DE CONTROLE DE JORNADA. FALTA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. ONEROSIDADE. ART. 3º DA CLT. A contratação por empreitada para realização de determinados serviços afasta a configuração de relação empregatícia, faltando o requisito da subordinação jurídica. O fato de o trabalhador não estar sujeito a controle de horário, podendo ausentar-se do trabalho, evidencia não estar presente a subordinação jurídica, necessária ao reconhecimento do liame empregatício com espeque no art. 3º da CLT. A contraprestação pecuniária, a seu turno, não se presta, por si só, a configurar vínculo empregatício, na medida em que também nas relações jurídicas de natureza civil é devido o pagamento pelos serviços prestados. Recurso Ordinário do Reclamante a que se nega provimento.(TRT9ª R. - Proc. 14064-2005-002-09-00-4 - Ac. 11763-2007 - 1ª T. - Rel. Juiz Ubirajara Carlos Mendes - DJ 11.05.2007)
6) ESTAGIÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIMENTO. Vige no Direito do Trabalho o princípio da primazia da realidade, segundo o qual, é de somenos importância a nomenclatura adotada pelo empregador na contratação de mão-de-obra. Importa saber se estão presentes os requisitos informadores da relação de trabalho subordinado, nos moldes previstos na CLT. Na presente hipótese, restou provado que o reclamante, conquanto tenha sido inicialmente contratado na condição de estagiário, não restaram evidenciadas as condições específicas de que trata a Lei para esse tipo de contratação (Lei nº 6.494/77). Recurso ordinário do empregador a que se nega provimento. (TRT13ª R. - RO 01509.2005.004.13.00-7 - Rel. Juiz Vicente Vanderlei Nogueira de Brito - DJ 19.07.2006)
7) REPRESENTAÇÃO COMERCIAL - LEI Nº 4.886/65 - DESCARACTERIZAÇÃO - RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO - CONFIGURAÇÃO - Descartados os elementos formais de identificação do representante, consubstanciados no registro junto aos Conselhos Regionais e em documentos nos quais assim o qualifiquem, em face do princípio da primazia do contrato-realidade, doutrina abalizada, encabeçada por Paulo Emílio R. Vilhena, elege como traço distintivo do vendedor empregado o tônus de ingerência de poderes empresariais sobre a sua atividade, capaz de desfigurar a natural flexibilidade que desfruta na condução do negócio. Pois bem, patenteadas as restrições à atividade do recorrido, provenientes da forte intervenção da recorrente, somadas à evidência, que se extrai do contexto probatório, de que ele não geria nenhum empreendimento com estrutura dissociada da estrutura da empresa, firma-se a certeza de que não passava de mero apêndice funcional da recorrente, sendo incontestável por isso a existência do aludido vínculo de emprego. Recurso conhecido e desprovido. (TST - RR-779.910/2001.2 - 4ª T - Rel. Min. Barros Levenhagen - DJU 23.05.2003)
8) ACIDENTE DO TRABALHO - VÍNCULO EMPREGATÍCIO - RECONHECIMENTO - REGISTRO - AUSÊNCIA - IRRELEVÂNCIA - INDENIZABILIDADE - A ausência de registro na Carteira de Trabalho não obsta o reconhecimento do direito à percepção de benefício acidentário, desde que haja a comprovação do vínculo empregatício. (2TACSP - Ap. s/ Rev. 853.350-00/0 - 11ª Câm. Rel. Juiz Artur Marques - J. 21.06.2004)