O encarte de normas legais para contratação de obras públicas privilegia a Lei 8.666/93, onde, artigos, parágrafos, incisos e alíneas agasalham o procedimento, dentro dos trâmites legais, que os contratantes de obras públicas devem obedecer para análise das propostas...
Autoria: Sergio Piccinelli
Revisão Técnica: Daniel Pinto Gontijo
Dezembro/2007
O encarte de normas legais para contratação de obras públicas privilegia a Lei 8.666/93, onde, artigos, parágrafos, incisos e alíneas agasalham o procedimento, dentro dos trâmites legais, que os contratantes de obras públicas devem obedecer para análise das propostas recebidas nas licitações que tenham como finalidade a realização de obras e serviços, além do fornecimento de insumos. A disponibilidade de oferta para venda de mercadorias, serviços ou obras, no mercado informal, envolve, na maioria das vezes, ofertas de preços incompatíveis com os preços de mercado, escondendo no bojo do processo de compra e venda, fraudes difíceis de serem percebidas, mas que podem conduzir o comprador à condição de receptador além de, conseqüentemente, lhe ser atribuída co-responsabilidade, pelo ato e fato, na condição de adquirente. Agindo ao arrepio da lei, a venda é precedida de atos ilícitos tais como: produtos contrabandeados, não recolhimento de impostos, informalidade na contratação de mão-de-obra, qualidade dos produtos ofertados, etc. No caso da Administração Pública, ocorrendo propostas com preços praticamente inexeqüíveis, ou seja, abaixo de um patamar aceitável, fora da razoabilidade, deveria tornar-se imperativo verificação do conteúdo da proposta, através de análise profunda envolvendo, inclusive, estudo sobre as origens que levaram o proponente apresentar preços considerados, à primeira vista, inexeqüíveis. No entanto, no inciso II do artigo 48 da Lei 8.666/93 não há coerência entre o seu enunciado e o preconizado em seus parágrafos 1º e 2º, a nosso ver ele “dá e tira” a prerrogativa de uma análise mais profunda dos preços. A seguir, transcrevemos “in totum” o referido artigo, apresentando um exemplo que prova a incoerência entre seus termos.
“Art. 48 – Serão desclassificadas:
I – as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da
licitação;
II – propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.
§ 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo, consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores:
a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela administração, ou b) Valor orçado pela administração.
§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas “a” e “b”, será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e
o valor da correspondente proposta.
§ 3º Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.” (Grifos nossos).
Exemplo:
Cálculo das Propostas Exeqüíveis/ inexeqüíveis
1º Passo:
Valor orçado pela Administração: R$ 1.000.000,00
2º Passo:
50% do preço orçado pela Administração: R$ 500.000,00 (para definir quais
propostas entrarão no cálculo da média)
3º Passo:
Valores das propostas apresentadas:
- Concorrente 1 – R$ 540.000,00
- Concorrente 2 – R$ 520.000,00
- Concorrente 3 – R$ 300.000,00
- Concorrente 4 – R$ 480.000,00
- Concorrente 5 – R$ 370.000,00
- Concorrente 6 – R$ 500.000,00
- Concorrente 7 – R$ 350.000,00
4º Passo:
Propostas com valores acima dos 50% do valor orçado pela Administração
- Concorrente 1 – R$ 540.000,00
- Concorrente 2 – R$ 520.000,00
- Concorrente 6 – R$ 500.000,00
5º Passo:
Média - propostas acima dos 50% do orçado pela Administração: R$ 520.000,00
6º Passo:
Bases para definição do limite inferior:
70% da média – 70% de R$ 520.000,00 = R$ 364.000,00
70% do valor orçado pela Administração – 70% de R$ 1.000.000,00 =
R$ 700.000,00
Adotado R$ 364.000,00
7º Passo:
Propostas inexeqüíveis:
- Concorrente 3 – R$ 300.000,00
- Concorrente 7 – R$ 350.000,00
8º Passo:
Propostas exeqüíveis:
- Concorrente 1 – R$ 540.000,00
- Concorrente 2 – R$ 520.000,00
- Concorrente 4 – R$ 480.000,00
- Concorrente 5 – R$ 370.000,00
- Concorrente 6 – R$ 500.000,00
9º Passo:
Proposta vencedora: Concorrente 5 – R$ 370.000,00 (correspondente a 37% do valor orçado pela Administração ou, proposta com 63% de desconto sobre os preços orçados pela Administração).
Cálculo da Garantia Adicional
10º Passo:
Bases para o cálculo da garantia adicional
80% da média das propostas acima de 50% do orçado pela Administração:
80% de R$ 520.000,00 = R$ 416.000,00
Valor da proposta vencedora: R$ 370.000,00 ( portanto, inferior a 80% da média das propostas acima de 50% do orçado pela Administração)
11º Passo:
Base para garantia adicional – R$ 520.000,00 – R$ 370.000,00 =
R$ 150.000,00
12º Passo:
Cálculo do Custo da Garantia/Garantia Adicional:
Considerando, como exemplo, o Seguro-Garantia
Custo médio do Seguro Garantia no mercado de seguros: 1,35% do valor a ser segurado.
Seguro do Principal (valor da proposta) – 5% de R$ 370.000,00 = R$ 18.500,00
Seguro Adicional – 5% de R$ 150.000,00 = R$ 7.500,00
Custo do seguro para o principal (valor da proposta) – 1,35% de R$ 18.500,00 = R$ 249,75
Custo do seguro adicional – 1,35% de R$ 7.500,00 = R$ 101,25 (verificar se atinge a taxa mínima, caso contrário estará sujeito ao valor da taxa mínima).
Assim sendo, por mais absurda que seja a composição dos preços ofertados pelo proponente, baseados em números completamente fora da realidade (preços de insumos, mão-de-obra e coeficientes de produtividade), o Administrador Público não pode desclassificar proposta com preços realmente inexeqüíveis, pois o § 1º do artigo 48 inviabiliza esta atitude. Logicamente a intenção do legislador era completamente outra, se examinarmos o fulcro do “caput” e o aspecto contraditório do inciso II que passa a definir o “aceitável” através de fórmula matemática, anulando a possibilidade de ser levada em consideração análise das composições de preços. Considerando o ridículo matemático da “proposta inexeqüível”, muito mais suscetível de críticas é o enunciado no parágrafo segundo do artigo 48 que vem impor a “terrível” punição a que estará sujeito o proponente “fora da realidade”, pois, o mesmo terá que apresentar uma garantia adicional proporcional a uma esdrúxula fórmula matemática, como se esse aumento de garantia significasse que a Administração poderia se considerar segura do cumprimento, pelo proponente, do objeto a ser contratado. O exemplo apresentado deixa claro o ridículo de tal “punição”, pois, em uma suposta concorrência de R$ 1.000.000,00 o concorrente que apresentasse um desconto de 63% sobre o preço orçado pela Administração não poderia ser desclassificado. No entanto teria que apresentar um reforço de garantia (garantia adicional) que lhe provocaria o insignificante ônus de R$ 101,25, o que evidencia o absurdo do contido no parágrafo 2º do artigo 48. Não custa observar que as empresas que fazem uso deste “artifício da maquiagem” acabam causando um grande prejuízo às empresas que trabalham rigorosamente de acordo com a lei.
Torna-se necessário, ainda, ressaltar que o interesse público fica arranhado quando o Estado aceita proposta de preços realmente inexeqüíveis, além de desmoralizar as tabelas de preços referenciais vigentes nos respectivos órgãos contratantes. Tal atitude poderá induzir à proliferação de empresas inidôneas no mercado de obras públicas, e conseqüentemente taxar o Estado de receptador de obras subfaturadas em preço, mas, recheadas de intenções escusas e outras condições altamente prejudiciais ao interesse público.
Obs.: É permitida a transcrição de trechos deste Comentário, desde que citada a fonte.